sábado, novembro 24, 2007

Já gastamos as palavras

Já gastamos as palavras pela rua,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastamos as mãos com força de as apertarmos,
Gastamos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.·

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.·

As vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
Porque ao teu lado
Todas as coisas eram possíveis.·

Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
Era no tempo em que os meus olhos,
Eram realmente peixes verdes.·

Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.·

Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
De que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.·

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.·
Adeus.

"Eugénio de Andrade"

Já o publicaram em inúmeros blogs, mas não resisti em pô-lo também aqui.

PS: vão sempre existir fazes más....será justo para ti adiar...?

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado por Blog intiresny