terça-feira, janeiro 22, 2008

O Amor em visita - Excerto

"As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamentea nossa vida.
As sombras que rodeiamo êxtase,
os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha inspirada,
o mar, os centauros do crepúsculo- aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca um do outro.
Por isso é que nos desfazemos no arco do verão,
no pensamentoda brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço.
O meu desejo traz o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre,
ó mais nua e branca das mulheres.
Correm em mim o lacre e a cânfora,
descubro tuas mãos,
ergue-se tua boca ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar?
Aves bêbedas e puras que voam sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente das urzes,
um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados, espadas, danças, superstições, cânticos,
coisas maravilhosas da noite.
Ó meu amor, em cada espasmo eu morrerei contigo.


De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma.
Meu desejo devora a flor do vinho,
envolve tuas ancas com uma espuma de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho,
mulher que a fome encanta pela noite equilibrada,
imponderável - em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos.
Perde-se entre a nuvem e o arbusto, o cheiro acre e puro da tua entrega.
Bichos inclinam-se para dentro do sono,
levantam-se rosas respirando contra o ar.
Tua voz canta o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias como lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme,

e em cada espasmo eu morrerei contigo."

Herberto Helder

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